Aos sete anos de idade me escondia no quintal de casa para terminar o meu primeiro livro: As mil e uma noites. Filha e neta de empregadas domésticas, o trabalho remunerado e/ou a renda eram os propósitos da família. Éramos cinco mulheres negras, guardiãs do próprio sustento. Minha avó, alfabetizou – se sozinha, mas nunca frequentou escola. Minha mãe estudou até a quarta série. Minha tia trabalhava como auxiliar de serviços gerais. Eu estava no primeiro ano do Ensino Fundamental. E minha irmãzinha balbuciava as primeiras letras. Meu avô e meu pai, não sei precisar, não os conheci. Para além do convívio familiar, minha madrinha de crisma, mulher, branca, advogada e licenciada em Letras/Alemão pela Universidade de São Paulo – USP, desde cedo me influenciou com experiências intelectuais: livros, material para pintura, filmes. Tudo que eu não tinha acesso em casa. Lembro-me como se fosse hoje do último capítulo das As mil e uma noites, um em tantos presentes dela. Escondida no quintal, devorava cada letra. Faltavam uns três parágrafos. Ao longe, a voz da minha avó: “Zanze, vem me ajudar com o almoço, vem ajudar com sua irmãzinha, vem lavar louça”. Ao saltar da infância para a vida adulta, a escolha da minha profissão foi atrelada à necessidade de trabalho/ renda. Queria fazer Cinema, USP. Mas naquela época a aprovação não seria suficiente para cursar Audiovisual. Como conciliar trabalho e estudos em um curso de período integral? Nesse contexto, optei por Letras. Seria uma formação inicial para alavancar a carreira e melhorar a renda. Não pensava em ser professora. E ainda namorava o Cinema, roteiro, por exemplo. Os caminhos se abriram, ou os abri, até hoje não sei. Chutando as portas da Casa Grande¹, cheguei aos bancos da PUC/SP. Consegui uma bolsa de estudos. Ampliei o vocabulário: exclusão; desigualdade; restrição; fome; humilhação; miséria; lacuna; resistência; desistência; direção; lugar. Sim, lugar. A manutenção dos lugares é explícita quando pisamos, pela primeira vez, um terreno estranho. Eu, estrangeira, logo percebi que não estava em casa. A Casa não era minha e nem seria. Depois de chutar algumas portas, o caminho permanece livre. Inclusive, para sair e retomar ao lugar de origem. Na universidade, a partir de algumas leituras, deparei-me com a minha história: Vida Maria? Maria e Severina. A menina que roubava livros, outra história. Quarto de Despejo (Carolina de Jesus), até os doze anos, vários quartos e despejos. Pode um subalterno falar? Saí da universidade sem responder a essa pergunta. Em Crime e Castigo encontrei Raskólnikov e me encontrei. Nos Becos da Memória busquei os olhos de mãe e de avó, Os olhos de d’Água e nas Memórias da Plantação onde floresceram os cactos, traduzindo meu passado.
Este curso tem como objetivo a profissionalização da leitura por meio de uma formação leitora/ literária que interseccione: literatura, teatro, performance e a pesquisa em práticas integrativas.
A partir de uma formação em que a leitura de textos orais, escritos, verbais e não verbais é concebida como estratégia de formação de públicos para leitores profissionais que, submetidos a diferentes vieses de construção de sentido e aquisição de gosto pelo ato de ler, os leitores profissionais terão um papel essencial no processo de formação de novos leitores e de democratização do acesso à leitura como uma prática cotidiana.
Em tal sentido, além da bolsa para se formar em “leitores profissionais” e a possibilidade de novas bolsas para estudar técnicas de leitura, os cursistas serão preparados para ler, profissionalmente, em ambientes públicos, como ação social e/ou atividade de campo, bem como, haverá atividades remuneradas como: leituras em empresas, rodas de leitura e contação de história, entre outras ações que mobilizem a captação e a geração de renda por meio de leituras individuais, coletivas, presenciais e virtuais.
ISA Fauwe
Idealizadora e Coordenadora do projeto